O NFT não está pronto como produto — nem o metaverso
Você já deve ter ouvido falar que tem gente pagando milhões de dólares por imagens na internet. Esses produtos são os NFTs, tokens não-fungíveis. Em termos mais simples, são itens digitais que não podem ser replicados de forma alguma porque são protegidos por uma codificação muito forte, o blockchain — assim como acontece com o Bitcoin e outras criptomoedas. Mas o que leva alguém a comprar um produto que não tem aplicação prática no mundo real? Essa é a grande pergunta que todos se fazem.
Primeiro, vamos dar um passo para trás e entender melhor esse conceito de imagens originais na internet. Um bom exemplo é a nota de dinheiro. Na internet, você pode copiar e colar imagens à vontade. Seria como ter várias notas diferentes de 10 reais. Agora, imagine que exista uma nota única de 10 reais, daquelas extremamente raras e que não têm igual por aí. No mundo físico, falsificadores poderiam tentar replicá-la e talvez alguns conseguiriam torná-la tão parecida com a original que seria praticamente impossível de encontrar a diferença e atestar sua originalidade.
Agora, um NFT devidamente registrado na rede como tal é impossível de ser duplicado e sua veracidade é atestada pela rede de blockchain. Ou seja, o valor do NFT está na sua autenticidade e escassez, como em qualquer obra de arte, como um quadro de Leonardo DaVinci. Entendido isso, vamos aos questionamentos.
O NFT como uma imagem que é puramente uma obra de arte, ou apenas uma tentativa, não tem função prática. Apesar de ter a originalidade comprovada, qual benefício isso, de fato, traz para sua vida?
Um produto digital precisa ter mais valor do que preço, e isso não acontece no NFT, na maioria dos casos. O hype ainda é muito forte e, mesmo não sendo uma bolha, ele pode levar a altos preços em produtos que não têm valor. No médio prazo, a queda de preços pode ser vertiginosa, ainda que alguns poucos artigos mantenham valor no longo prazo.
O conceito metaverso tem muitos anos. Basta pensar em Matrix, um filme de 1999, baseado em uma obra de 1984 (Neuromancer). O termo, em si, apareceu pela primeira vez em “Snow Crash”, livro de ficção científica de Neal Stephenson, publicado em 1992.
O fator de propriedade comprovada associado ao NFT por meio da blockchain é, de fato, algo que tem grande valor para a internet do futuro (talvez um futuro nem tão distante assim). O conceito de propriedade privada é uma das bases da nossa sociedade global. Na internet, que sempre foi terra de ninguém e todo mundo ao mesmo tempo, isso ainda nos causa estranheza — e deve continuar a causar por muito tempo. Até que será normal, da noite para o dia. Como a maioria das coisas, leva anos para algo acontecer de uma hora para a outra.
Ainda assim, o benefício de ter uma propriedade privada no mundo real é poder morar nela, poder alugá-la para gerar renda ou poder vendê-la por um preço mais alto do que você pagou por ela. A função elementar do NFT ainda precisa se provar no teste do tempo. Dentro do metaverso, ter itens únicos, literalmente impossíveis de serem duplicados ou falsificados, é importantíssimo. Mas, hoje, da forma como temos a internet e a sociedade, o NFT não tem aplicações práticas que passariam pelo teste de utilidade diária.
Talvez, você tenha ouvido falar do teste da escova de dentes, que era usado pelo Google muitos anos atrás para avaliar se um negócio era ou não bom. Assim como uma escova de dentes, é importante que o produto seja usado algumas vezes por dia, todos os dias, e a vida do usuário fique melhor por causa disso. Esse conceito ainda tenta ser provado por empreendedores do NFT. Já existem iniciativas para tornar os NFTs úteis, como ingressos para cursos e eventos. Talvez, clubes ou até empresas para donos de coleções específicas possam ser criados.
No entanto, tudo é uma promessa do lucro futuro, como, aliás, acontece em todas as empresas de tecnologia do mundo. A mudança de nome do Facebook para Meta, uma ligação direta com o tal metaverso, diz muito sobre essa promessa de futuro brilhante. E isso atrai, de fato, investidores no mundo inteiro. A Bloomberg Intelligence estima que o metaverso será uma plataforma tecnológica que terá faturamento global de 800 bilhões de dólares em 2024. Para efeito de comparação, o mercado mundial de redes sociais teve receita de 192 bilhões de dólares em 2019, segundo a ResearchAndMarkets.com.
Negar o potencial do NFT pode ser tão grave quanto a Kodak negar a foto digital ou a Blockbuster subestimar a Netflix. Entretanto, assim como a fotografia digital e o streaming, o processo evolutivo para tornar o NFT e o metaverso como produtos atraentes para usuários e investidores ainda precisa acontecer, e não está livre de riscos.